As chuvas que vêm atingindo vários estados do país causam problemas característicos do colapso ambiental, como enchentes e desmoronamentos. São eventos que afetam a todos, mas as crianças na primeira infância, fase que vai até os seis anos, é o grupo mais suscetível aos riscos inerentes a essas situações, como doenças e infecções, desnutrição e exposição a situações de violência física, psicológica e ambiental. A falta de saneamento básico em várias regiões do país aumenta de forma exponencial os riscos à saúde, podendo representar risco à vida.
Dados da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, com base na Pnad, mostram que entre as crianças brasileiras na primeira infância, 618 mil (3% do total) não têm acesso à água canalizada e 7,2 milhões (35%) não têm acesso à rede de esgoto.
No Brasil, inundações, tempestades e outros fenômenos podem deslocar aproximadamente 1,5 milhão de crianças nos próximos 30 anos (Children Displaced in a Changing Climate, 2023). Sem uma rede de saneamento adequada e expostas ao colapso ambiental, essas crianças correm o risco de terem o seu desenvolvimento comprometido. O Unicef contabilizou que 1,17 milhão de meninas e meninos tiveram os estudos interrompidos por eventos climáticos em 2024 somente no Brasil.
Impactos
As pressões climáticas ou de eventos climáticos extremos tendem a agravar situações de crianças e adolescentes que vivem em contextos de vulnerabilidade social e negligência, podendo levar à ruptura dos seus vínculos protetivos e à violação dos seus direitos. Além disso são os mais pobres que têm maior probabilidade de viver sem acesso a moradia adequada, água limpa ou esgoto tratado; são os mais pobres que vivem expostos aos maiores índices de violência.
“Sabemos que a primeira infância é um período decisivo para o desenvolvimento humano. Nessa fase, boas experiências têm o poder de moldar um futuro saudável e promissor. No entanto, quando as crianças são expostas à precariedade, enfrentam um ciclo de adversidades que as impede de alcançar todo o seu potencial e sair da pobreza quando adultas”, explica Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
Os impactos se estendem também para a saúde das crianças:
- Maior risco de transmissão de doenças como malária, febre amarela e dengue no Brasil com as mudanças nos padrões de chuva e temperatura; a grande maioria das vítimas letais dessas doenças são crianças pequenas;
- Sem saneamento básico, as crianças também ficam expostas a infecções, verminoses, gastrenterites, desidratação, hepatite A e doenças respiratórias, com efeitos também em seu desenvolvimento cognitivo e emocional;
- A insegurança alimentar tem relação com as mudanças climáticas, aumentando índices de desnutrição ou obesidade em crianças pequenas, pela falta de acesso a alimentos de qualidade e aumento de consumo de processados;
- Impactos psicológicos: nos casos de eventos climáticos intensos e abruptos, como enchentes, desmoronamentos, as crianças podem se sentir confusas, perturbadas, ansiosas, assustadas, preocupadas ou tristes, e demonstrar receio pela sua própria segurança e também de familiares e amigos;
- Localidades onde acontecem eventos climáticos extremos frequentemente têm escolas afetadas, agravando as dificuldades de acesso e permanência escolar de crianças e adolescentes, levando ao aumento da evasão e à dificuldade de manter em funcionamento os serviços e equipamentos escolares. As unidades escolares também tendem a ser transformadas em ponto de acolhimento coletivos, uma tendência que coloca dificuldades para o pronto retorno das atividades educacionais;
- Sem acesso à educação, com situação agravada pela dificuldade financeira de famílias que podem ter perdido seus bens em eventos dessa proporção, aumenta-se também o índice de evasão escolar e trabalho infantil.
Como proteger as crianças
Em linhas gerais, investimentos em políticas para o meio ambiente, planos de enfrentamento e prevenção, educação ambiental e fiscalização contínua são estratégias para evitar novas catástrofes climáticas. Além disso, é preciso assegurar proteção da vida das novas gerações com prioridade absoluta, principalmente a de crianças indígenas e negras do sul global, as mais afetadas pela crise do clima.
“Mais do que nunca precisamos priorizar a agenda climática nas políticas públicas, de maneira intersetorial e integrada, especialmente nas iniciativas direcionadas às crianças na primeira infância e suas famílias”, finaliza a CEO.
Sobre a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal
Em 2025, a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal completa 60 anos de história – 18 deles dedicados à primeira infância. Criada em 1965, a Fundação nasceu em memória de Maria Cecilia, filha do banqueiro Gastão Eduardo de Bueno Vidigal – vítima de leucemia aos 13 anos – com intuito de fomentar pesquisas no campo da hematologia. Em 2007, a instituição abraçou a causa da primeira infância a partir das evidências científicas de que as experiências vividas no começo da vida são fundamentais para o desenvolvimento não só da criança, mas de toda a sociedade.
Atualmente, a Fundação atua por meio de duas estratégias: alavancar políticas públicas e ativar a sociedade para a primeira infância, com foco na promoção da educação infantil de qualidade, no fortalecimento dos serviços de parentalidade, na avaliação do desenvolvimento infantil, no apoio a mecanismos estruturantes da política pública e no diálogo constante com a sociedade sobre a primeira infância.